E daí?

Hoje, perdi uma das pessoas mais importantes da minha vida. Poderia simplesmente, ser mais uma pessoa que nessa vida que perde alguém querido, mas quero falar um pouco do momento que a minha família, infelizmente, entrou para a estatística de uma doença maldita. O meu avô, pai de treze filhos, avô, bisavô e tataravô de perder a conta, tinha noventa e três anos. De uma lucidez invejável e de uma disposição de deixar todos nós da família no chinelo. Tinha as dores por conta da idade, mas nada que o parasse. Tinha uma calma e uma sabedoria que somente poderia vir de Deus. Era muito amado pela família e querido pelas pessoas que o conhecia. Tinha um amor e um cuidado tão grande pela sua Branca (a forma carinhosa que ele chamava a minha avó), sua companheira de quase 70 anos. Cuidava das coisas de Deus com todo o zelo e respeito, como todo bom cristão deveria ter. Era analfabeto, mas por Obra do Espírito Santo, lia a bíblia. Durante anos foi porteiro na Igreja Assembleia de Deus, no seu bairro, em Jequié-Bahia e tinha o carinho e o respeito de todos os irmãos. Dava o horário, se arrumava com o seu terno, pegava a sua bíblia e ia subindo a ladeira para a igreja. Chegava, abria a igreja, arrumava os bancos, colocava os copos plástico perto do bebedouro e ia fazer suas orações, esperando a chegada dos irmãos. No dia 08 de julho, o meu avô foi internado com suspeita de covid-19, já foi colocado no oxigênio. A família toda orando, crendo no milagre, mas ao mesmo tempo sabendo das limitações da idade do meu avô, sabendo que ele não poderia ser entubado. Que se isso acontecesse, dificilmente ele iria resistir. Ficamos três dias esperando uma vaga para o hospital, para que ele pudesse ter um melhor tratamento. Fez dois testes e teve a confirmação, de que era covid-19. Desde o dia da sua internação, nós familiares que moramos em outros estados, como Goiás e São Paulo, tentamos ir para a Bahia, mas não há permissão para se chegar até a cidade de Jequié, por conta do aumento no número de doentes da Covid na cidade. No sábado, quase meia noite ele foi transferido para um hospital da região, mas antes disso, quiseram levá-lo para Salvador. A família não deixou. O meu avô não aguentaria uma viagem de 6 horas. No domingo, a enfermeira mandou um vídeo do meu avô no oxigênio, parecia estar bem, ficamos tão emocionados em poder vê-lo, mesmo que por vídeo. Hoje, segunda, dia 13 de julho de 2020, de manhã, o meu avô faleceu. Não pudemos viajar para lá, para tentar confortar a minha avó. O meu avô não teve velório, porque o corpo sai do hospital direto para a funerária e de lá, direto para ser enterrado. Toda a família viu o enterro do meu avô porque uma pessoa da família que estava acompanhando o caixão, filmou e mandou no grupo de whatsapp da família. Eu vi o enterro do meu avô ao lado do meu pai, chorando e ouvi alguém da família perguntando, se não tinha como abrir o vidro do caixão para que pudéssemos ver pelo menos o rosto, mas a pessoa respondeu que não adiantava, porque o meu avô estava dentro de um saco. O meu avô não teve o direito de se despedir da Branca, dos filhos e nem dos netos. O meu avô não pôde ter o seu cortejo acompanhado do louvor que ele havia escolhido. O meu avô entrou numa estatística de um país em que o chefe de Estado, perguntado por uma jornalista sobre os números de vítimas do covid-19, respondeu, E daí? Só que o meu avô não é um E daí? O meu avô tem um nome, Joaquim Oliveira dos Santos, de 93 anos. O meu avô tem uma família que o ama muito. O meu avô tem uma viúva que só chora por sua ausência. O meu avô e como mais de 72 mil pessoas do Brasil que foram vítimas dessa doença, ele tem um rosto e esse é o rosto do meu avô.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

***Bom Dia,Boa Tarde,Boa Noite-EU PRECISO DE VOCÊ***

***POEMA DE CLARICE LISPECTOR***

***Um Milagre Chamado Lingerie***