Estou Morrendo










                   A frase desta foto eu a vi no Instagram da minha prima Marilia, e quando a li achei ela bem forte e verdadeira. Decidi tirar o print e repassar para os meus amigos do Whatsapp como faço todos os dias. E fiquei pensando que a vida realmente funciona dessa forma, cada dia a mais de vida que eu tenho é um dia a menos de vida. É muito doido essa matemática porque como posso estar ganhando e perdendo ao mesmo tempo? É tão estranho que nós seremos humanos somos tão apegados ao tempo. Se conhecemos uma pessoa uma das primeiras perguntas que fazemos é qual é a idade da pessoa, não nos preocupamos com o que a pessoa tem a nos oferecer de bom e isso independe da idade. Parece que a idade qualifica ou desqualifica uma pessoa, mas conforme vamos perdendo alguns tipos de preconceitos, vamos vendo que maturidade não tem nada a ver com idade e que ensinamentos podem vir de qualquer pessoa e de qualquer idade. Mas, ao mesmo tempo que somos tão apegados ao tempo cronológico agimos como se tivéssemos todo o tempo do mundo. Deixamos para depois o amor que podemos dar hoje, o abraço e a ajuda ao próximo como se houvesse um depois e muitas vezes não existe esse depois.
                     Me lembro que nessa vida nunca existiu uma pessoa que eu mais tivesse intimidade do que a minha mãe. Eu abraçava ela em qualquer momento, brincava, dizia o quanto a amava, com ela não havia segredos, só existia a Valéria. Mas, quando ela ficou bem debilitada da doença, eu cuidava dela, mas não era a mesma coisa. Havia uma barreira que eu não sabia que existia, na verdade essa barreira era o fato de que eu não aceitava ver a minha mãe dependendo de mim. Ela conseguia ir ao banheiro andando, mas eu tinha que estar a ajudando, as vezes ela conseguia comer sozinha, mas eu tinha estar perto para ela não derramar as coisas. As vezes ela não reconhecia ninguém, mas a única pessoa que ela não esquecia era de mim, reconhecia a minha voz no telefone, só de me ver já abria o maior sorriso que ela podia dar. Mesmo assim, eu não abraçava ela da mesma forma, não conversava sobre a minha vida porque eu achava que ela não ia entender. Até que um dia a gente estava na sala cantando alguns louvores (porque isso também ela não se esquecia que era de glorificar a Deus), ela estava deitada no sofá e de repente ela fala: "-Por que você não me trata do mesmo jeito que me tratava?" Achei aquilo tão estranho, ela não se lembrava de um monte de coisa, mas sentia falta da forma que a filhinha dela a tratava. A abracei e fiquei pensando no que havia mudado dentro de mim e que nem eu mesma tinha noção dessa mudança. Quando eu fui para a psicóloga contei isso para ela. E ela me orientou a tratar a minha mãe do mesmo jeito que eu a tratava, mesmo as pessoas mais doentes e debilitadas elas tem uns momentos de lucidez e faz falta o afeto para elas. Que eu tinha que entender que apesar da doença a minha mãe estava ali. A partir daquele dia comecei a tratar a minha mãe da mesma forma que eu a tratava antes da debilidade. Lembro quando eu cheguei em casa no sábado a noite ela não conseguia dormir por causa das dores, eu cheguei já fui para o quarto me sentei ao lado dela e perguntei se ela queria deitar a cabeça no meu colo e ela aceitou, nisso ela conseguiu dormir. Nunca vou me esquecer de uma segunda feira a noite em que ela quis ir ao banheiro, mas ela não conseguiu ir rápido e acabou fazendo xixi perto do meu computador, fiquei muito brava. No outro dia eu acordei com ela querendo ir no banheiro, me levantei a ajudei a se levantar, fui andando e conversando com ela. Ajudei ela a se sentar no vaso sanitário e comecei à brincar falando: "-Nossa, mãe! Que filha forte você tem, consegue sozinha te levantar." Nisso ela rindo e continuei falando: "-Mãe, me perdoa por ter ficado brava com você ontem. Na verdade, eu não estava brava com você, eu estava brava com essa doença que deixou você assim." Ela balançou a cabeça confirmando que me entendia. Vim trazendo ela para a sala a puxando pelas duas mãos e de repente ela parou e colocou uma mão envolta da minha cintura e me puxou para perto dela, eu entendi que aquilo era um abraço que ela queria me dar, na verdade foi o nosso último abraço com ela podendo ainda andar. No outro dia, ela já acordou sem conseguir se levantar e tivemos que colocar uma fralda nela, dar comida na boca dela e dois dias daquele abraço ela faleceu em casa. Eu me sinto uma privilegiada porque Deus permitiu que eu me despedisse dela. Na madrugada do dia 25 para o dia 26 de dezembro de 2013, eu troquei a fralda dela, a coloquei para dormir na cama e li o Salmo 33 para ela e falei para a minha mãe: "-Mãe, eu sei que você tá bem debilitada e nem consegue falar, mas eu sei que você é uma mulher de muita fé, conversa com Deus e pede para Ele tirar esse seu sofrimento. Ele tem poder para fazer o que Ele quiser. Perdoa as pessoas que te magoaram, libera perdão, mãe." Fui para a sala dormir. No outro dia acordei com o meu pai chorando e gritando: "-Neguinha! Neguinha! Não me deixa!"  Me levantei achando que ela já havia morrido, quando cheguei no quarto o meu pai ajoelhado segurando a mão dela e minha mãe com a respiração bem fraquinha, olhei para aquilo e falei: "-Pai, vamos orar. Deus tem poder para tirar ela dessa situação, sim, mas se for da vontade dEle levá-la, Ele vai levar e nos dar forças para continuar." Orei e fui ligar para a minha amiga para orar comigo, quando voltei para o quarto a minha mãe já havia partido. No momento que eu iria me desesperar para gritar, eu senti uma presença tão forte e eu tenho certeza que era o Espírito Santo me consolando, eu comecei agradecer a Deus pelo tempo que eu vivi com a minha mãe, pelos trinta anos que eu fui muito feliz, mas que eu tinha que aprender a ser feliz sem ela.
                     Mesmo com tudo isso eu me sinto muito privilegiada por Deus, porque eu pude me despedir da minha mãe. Não é fácil, mas eu pude dar o último abraço nela, o último beijo nela, fazer a última oração com ela, mas mesmo assim a morte nos traz essa sensação de que eu podia ter feito mais, que eu podia ter feito diferente, é inevitável esses sentimentos, e eu fico pensando quantas pessoas que partiram sem saber o quanto eram amadas e quantos que ficaram e não tiveram a oportunidade de expressar esse amor. Por isso, não desperdice esse tempo. Pare de orgulho, pare de deixar para depois aquele casamento com a pessoa especial que você tem ao seu lado. Pare de timidez e assuma o quanto você ama esse seu amigo e quer ter um relacionamento com ela. Pare de ser babaca e pare de exigir tanto da vida, você não sabe se vai existir o depois. Pare de achar que os seus pais são eternos, eles não são, ninguém é. Tem uma frase da música do Legião Urbana foi até por causa dessa música que eu me apaixonei pela banda, não é nada conhecida essa frase: "É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar pra pensar na verdade não há." Na verdade, será que existirá o amanhã?
              

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

***Bom Dia,Boa Tarde,Boa Noite-EU PRECISO DE VOCÊ***

***POEMA DE CLARICE LISPECTOR***

***Um Milagre Chamado Lingerie***